O panorama da Política Nacional de Recursos Hídricos em tempos de pandemia
SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra , 1938
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinícius de Moraes, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.
Para debater a questão da água nos tempos de pandemia, a inspiração, que vem da poesia eterna de Vinícius de Moraes, leva-me a buscar explicação para o que pode estar acontecendo e fazer um prognóstico do que poderá acontecer com a política de Recursos Hídricos no Brasil e, particularmente, em Minas Gerais.
Nos últimos cinco anos, a ocorrência sucessiva de fatos trágicos, acidentais ou naturais, culminando com a atual pandemia do COVID 19, faz com que a ÁGUA venha, de forma exponencial, assumir um maior relevo e musculatura econômica, legislativa e até sacramental no país.
É provável que as questões envolvendo quantidade e qualidade de água, geridas no estado de Minas Gerais por meio do IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas, irão, em breve, interagir-se, de forma mais efetiva, com as políticas de saúde pública, higiene e dessedentação de pessoas e animais.
O setor de saneamento assumirá especial relevo na sociedade, notadamente agora, com a iminente vigência do Projeto de Lei 3.261 de 2019, que instituirá um novo marco legal do saneamento no país, o qual, dentre outras medidas, alargarão as possibilidades de investimento privado no setor e faz, da ANA – Agência Nacional de Águas, protagonista no assunto.
Os setores industrial, mineral e do agronegócio poderão apresentar sua contribuição nas novas políticas, oferecendo soluções para os problemas de abastecimento de água. Além disso, poderiam adotar medidas norteadas não apenas à continuidade das suas próprias atividades, consideradas essenciais, mas, também, a viabilizar a manutenção de emprego e renda para a sociedade, tendo em vista a desastrosa retração econômica decorrente da necessidade da quarentena.
Nos últimos dias as palavras “água”, “corona” e “vírus” figuram no topo dos critérios de busca da internet.
Qual a relação da pandemia por Covid-19 com os Recursos Hídricos?
Resultados de pesquisas científicas da UFMG, do corrente mês – março de 2020, afirmam que a água é vetor da contaminação por COVID – 19. Senão vejamos:
“(…) uma enorme carga viral pode estar sendo despejada nos rios. Isso está diretamente relacionado à situação sanitária do Brasil em que apenas 46% do esgoto no país é tratado, segundo a edição de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Como consequência, poderá aumentar a disseminação do Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, que não tem acesso a infraestrutura adequada de saneamento básico, afirma a nota técnica, que é assinada por Carlos Chernicharo e pelos colegas de INCT César Mota e Juliana Araújo, também professores da UFMG.”[1]
Nestes tempos, muito mais do que em outros, água limpa é assepsia e desinfecção, quase sinônimo de saúde ou doença. Investir em abastecimento e tratamento de água e esgoto é gerar capital social. É preciso reduzir as vulnerabilidades da parcela mais vulnerável da sociedade, até mesmo para a recuperação do país.
Contudo, ao que parece, ainda não há estudos científicos e trabalhos acadêmicos que façam correlações entre a atual pandemia e a gestão de Recursos Hídricos. É dizer, embora possa haver pesquisas em andamento, não se tem conhecimento de conclusões definitivas. As certezas necessárias dependerão do correr do tempo, de passar o calor dos acontecimentos, dos resultados de análises científicas de toda ordem, do distanciamento histórico, que se somarão para o soerguimento econômico pós-pandêmico.
As questões envolvendo outorga, cobrança de Recursos Hídricos, monitoramento, balanço hídrico, enquadramento, classificação e demais temas correlatos continuarão a ser canalizados para o CERH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos e suas câmaras técnicas, colegiados nos quais busco contribuir como conselheiro ocupante da cadeira do IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração.
Passado o tormento destes dias, teremos a necessidade premente de um fortalecimento técnico, representativo a participativo dos usuários e da sociedade civil nos Conselhos de Recursos Hídricos, notadamente nos Comitês de Bacias Hidrográficas, que poderão assumir novos arranjos e configurações institucionais, para, com mais eficiência e sem ferir as Políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos, estabelecidas na Lei Federal 9433/97 e Lei 13.199/99 do estado de Minas Gerais, terem maior efetividade em suas missões.
Novas preocupações reclamarão um olhar mais atento de todos os segmentos, porque água com qualidade e quantidade já é uma preocupação sedimentada, decorrente de problemas que se arrastam há décadas. A estes, soma-se, agora, a novidade da COVID 19.
O adequado acesso à justiça, o melhor aparelhamento e conhecimento para trabalhar com segurança jurídica e, sobretudo, com segurança hídrica, serão fundamentais para assegurarmos a disponibilização de água com qualidade.
Que a poesia de Vinícius e outros poetas nos inspire nestes tempos difíceis, de surpresas, de mudanças. Muito mais que poesia, é preciso que as escolhas políticas e técnicas, dos juízes, advogados, promotores, biólogos, médicos, engenheiros, profissionais e agentes públicos e privados, construam o melhor caminho para nossa recuperação e reconstrução como seres humanos, empresas, sociedade civil e poder público, de todos os efeitos da pandemia do CORONAVÍRUS – COVID 19.
*Denes Martins da Costa Lott, 31 de março de 2020.
[1] https://www.tratamentodeagua.com.br/ufmg-presenca-novo-coronavirus-esgoto