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26 May 2025
LEI GERAL DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL: AVANÇO NORMATIVO OU RISCO A SUSTENTABILIDADE?

LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: AVANÇO NORMATIVO OU RISCO À
SUSTENTABILIDADE ?
*Por Denes Martins da Costa Lott – Advogado ambientalista e
minerário, ex secretário de Meio Ambiente de Itabira
A recente aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que institui
a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), representa um marco na tentativa
histórica de sistematização do licenciamento ambiental no Brasil. O texto, originado do
PL nº 3.729/2004, de autoria do então deputado Luciano Zica (PT/SP), passou por duas
décadas de debates, apensamentos, substitutivos e reconfigurações, refletindo os
sucessivos interesses majoritários nas diversas legislaturas. O momento atual impõe um
olhar crítico e comprometido: é possível desburocratizar o licenciamento ambiental
sem abrir mão da proteção constitucional ao meio ambiente?
Como advogado especializado em Direito Ambiental e Minerário, com experiência
acadêmica e institucional, afirmo que o licenciamento ambiental é o principal
instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente para conciliar desenvolvimento
com proteção ecológica. O que está em jogo não é apenas um rito procedimental, mas
a própria salvaguarda da qualidade de vida das presentes e futuras gerações, bem como
a integridade dos ecossistemas nacionais.
Atualmente, o licenciamento ambiental no Brasil é regulado principalmente pela
Resolução CONAMA nº 237/1997, que define as modalidades e o rito do processo. São
três categorias clássicas de licença:
• Licença Prévia (LP): aprova a viabilidade ambiental do projeto, exigindo
estudos como EIA/RIMA;
• Licença de Instalação (LI): autoriza o início da implantação do
empreendimento;
• Licença de Operação (LO): permite o início da atividade após verificação
do cumprimento das condicionantes anteriores.
Essas licenças são emitidas por órgãos federais (IBAMA), estaduais (como FEAM em
MG) ou municipais, conforme a competência definida pela Resolução CONAMA nº 237
e pela Lei Complementar nº 140/2011.
Minas Gerais adotou, com base na DN COPAM nº 217/2017, modalidades mais diversas
e adaptadas à realidade do Estado:
• Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS): para atividades de baixo
impacto, com variantes por cadastro, relatório simplificado (RAS) ou relatório
único (RAU);
• Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC): autoriza simultaneamente LP,
LI e LO;
• Licenciamento Ambiental Corretivo : para regularização de empreendimentos
já implantados;
• Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC-MG): baseado na
autodeclaração do empreendedor, com aplicação restrita.
O estado de Minas também instituiu um sistema de tipificação que combina porte e
potencial poluidor, gerando uma classe de licenciamento (de 1 a 6) que determina o
rito e a modalidade aplicável.
Entendo e defendo que a desburocratização é desejável e necessária. Contudo, deve
ser acompanhada de:
• Fortalecimento institucional dos órgãos ambientais;
• Critérios técnicos claros e auditáveis para autodeclarações;
• Participação efetiva da sociedade;
• Rigor técnico proporcional ao risco da atividade.
A pluralização das modalidades é juridicamente válida e pode, sim, aumentar a
eficiência da administração ambiental. A lei deve servir ao princípio do
desenvolvimento sustentável, integrando eficiência econômica, justiça social e
segurança ecológica. O licenciamento não pode ser mera formalidade, ritual vazio ou
chancelamento, mas um processo vivo de responsabilidade intergeracional.
Apesar de seu papel estruturante, o sistema atual no Brasil enfrenta graves problemas:
• Múltiplos procedimentos paralelos e sobrepostos;
• Prazos excessivamente longos e indefinidos;
• Interferência política em decisões técnicas;
• Baixa capacitação técnica em muitos órgãos ambientais;
• Judicialização excessiva por falta de segurança jurídica.
PANORAMA PROPOSTO NO PL 2.159/2021: NOVAS CATEGORIAS DE LICENCIAMENTO
A proposta de uma Lei Geral tem por objetivo justamente enfrentar essas disfunções,
padronizando critérios e possibilitando procedimentos proporcionais ao risco
ambiental envolvido.
Observemos uma linha do tempo legislativa: da proposta original ao texto atual
• 2004: Apresentado o PL 3.729/2004 por Luciano Zica (PT/SP), com a
finalidade de estabelecer normas gerais sobre licenciamento ambiental.
• 2004–2021: Diversos substitutivos, discussões técnicas e políticas
moldaram o texto original. Avanços e retrocessos marcaram o processo,
sempre com forte influência de setores econômicos e ambientais.
• 2021: Aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado como PL
2.159/2021.
• 2025: Após tramitação no Senado, o projeto é aprovado com novas
emendas – entre elas a polêmica Licença Ambiental Especial (LAE),
proposta por Davi Alcolumbre – e retorna à Câmara para nova apreciação.
O texto do PL 2.159/2021 detalha cinco modalidades distintas de licenciamento
ambiental. Essa classificação busca adaptar os procedimentos à natureza, risco e
complexidade de cada empreendimento, inovando no plano normativo brasileiro:
• Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)
Procedimento autodeclaratório para atividades de baixo impacto.
Inovadora em termos de agilidade e simplificação, mas vulnerável a fraudes e omissões.
Exige regulamentação técnica rigorosa para evitar banalização.
• Licença Ambiental Simplificada (LAS)
Para empreendimentos de impacto ambiental moderado.
Processo célere, com análise técnica única e menor burocracia.
Inovação moderada, com risco de enfraquecimento da participação social.
• Licença Ambiental Concomitante (LACo)
Unifica Licença Prévia e de Instalação.
Aplicável a projetos com estudos ambientais suficientes para avaliação conjunta.
Agiliza o processo, mas pode suprimir debates sobre alternativas locacionais.
• Licença Ambiental Trifásica (LP, LI, LO)
Modelo clássico, ainda exigido para empreendimentos de significativo impacto.
Preserva ritos de consulta pública, pareceres técnicos e medidas mitigadoras.
Essa modalidade representa o núcleo de proteção do sistema nacional de
licenciamento.
• Licença Ambiental Especial (LAE)
Criada por emenda no Senado, com caráter excepcional.
Aplica-se a projetos estratégicos definidos politicamente.
Inconstitucionalidade provável por ofensa à obrigatoriedade de estudo de impacto e
participação social.
FLEXIBILIZAÇÕES NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CAMINHO PARA A EFICIÊNCIA OU
RISCO DE FRAGILIZAÇÃO?
Além das modalidades formais de licenciamento, o Projeto de Lei nº 2.159/2021 inova
ao prever a possibilidade de dispensa de licenciamento ambiental para determinadas
atividades ou empreendimentos de baixo impacto, a critério do órgão ambiental
competente. Essa previsão, se por um lado busca otimizar a gestão administrativa, por
outro, suscita sérias preocupações quanto ao controle ambiental efetivo.
Entre os exemplos mencionados na proposta, destacam-se: a abertura e manutenção
de estradas vicinais; a instalação de infraestrutura básica como poços artesianos e
linhas de distribuição de energia de pequeno porte; atividades agrossilvipastoris em
propriedades familiares; e, em certos casos, a intervenção em trechos de vegetação
nativa secundária da Mata Atlântica com menos de 20 anos.
Essas possibilidades são condicionadas à ausência de sobreposição com áreas
legalmente protegidas e devem seguir critérios técnicos estabelecidos pelos órgãos
ambientais locais. No entanto, a falta de padronização nacional e a margem
interpretativa ampla podem transformar a exceção em regra, resultando na
invisibilidade de impactos cumulativos e dificultando a responsabilização por danos.
Como advogado ambientalista, entendo que dispensas pontuais podem ser úteis para
evitar o engessamento da máquina pública. Contudo, devem ser acompanhadas de
critérios objetivos, vedação de uso em áreas sensíveis, e obrigatoriedade de registro e
monitoramento. Do contrário, corre-se o risco de transformar o licenciamento
ambiental em um sistema reativo, onde a degradação é constatada apenas após sua
ocorrência.
Embora a proposta original do PL nº 2.159/2021 previsse expressamente a criação da
Licença Ambiental Única (LAU), tal modalidade não foi mantida na versão final aprovada
pelo Senado Federal. A LAU pretendia consolidar, em um único ato administrativo, as
etapas de Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO),
aplicando-se a empreendimentos de menor impacto ambiental, com análise técnica
simplificada. No entanto, essa unificação plena foi substituída por uma abordagem mais
cautelosa: a chamada Licença Ambiental Concomitante (LACo). A LACo, tal como
aprovada, permite apenas a fusão das fases de LP e LI, mantendo a LO como etapa
posterior e autônoma. Dessa forma, pode-se afirmar que a LAU foi funcionalmente
diluída na estrutura da LACo — o que representa uma solução intermediária entre a
simplificação procedimental e a preservação dos controles técnicos mínimos. A
ausência da LAU como categoria formal reflete a tentativa de evitar um esvaziamento
excessivo das etapas tradicionais, sem deixar de atender à demanda por maior
eficiência administrativa.
Em síntese, o texto aprovado no Senado introduziu mudanças relevantes, incluindo:
Criação da Licença Ambiental Especial (LAE): um novo tipo de licença com rito
simplificado, aplicável a projetos considerados prioritários pelo governo.
Limitação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC): restrita a empreendimentos de
pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor, excluindo casos que
envolvam desmatamento de vegetação nativa.
Renovação automática de licenças: permitida apenas para atividades de baixo ou médio
impacto, desde que cumpridas as condicionantes da licença anterior e sem alterações
significativas no empreendimento.
Alterações na participação de órgãos ambientais: restrição da atuação de entidades
como a Funai e o ICMBio apenas a terras indígenas homologadas e unidades de
conservação federais, respectivamente.
Dispensa de licenciamento para certas atividades: como obras de manutenção em
rodovias já pavimentadas e atividades agropecuárias tradicionais de pequeno porte.
Essas mudanças visam simplificar e uniformizar o processo de licenciamento ambiental
no país, mas têm gerado debates sobre possíveis impactos na proteção ambiental e na
segurança jurídica
A POLARIZAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA E O DEBATE AMBIENTAL
A discussão sobre o licenciamento ambiental no Congresso Nacional não é isolada. Ela
expressa, é causa e sintoma da crescente polarização político-ideológica global.
De um lado, há a retórica do "desenvolvimento a qualquer custo", muitas vezes
associada a pautas liberalizantes e de curto prazo. De outro, setores ambientalistas
resistem a qualquer tentativa de flexibilização como retrocesso absoluto. No meio
desse espectro, surgem tentativas de mediação técnica e constitucional.
A discussão sobre o licenciamento ambiental vai além da eficiência administrativa ou
da busca por segurança jurídica. Ela reflete diferentes visões de desenvolvimento e de
relação com o meio ambiente. O verdadeiro desafio é construir normas que sejam
tecnicamente sólidas, juridicamente seguras e socialmente legítimas, sem que se
tornem reféns de disputas ideológicas.
Neste aspecto, afigura-se no debate o confronto das visões preservacionista,
conservacionista e desenvolvimentista. Cada grupo tem visões específicas:
• Preservacionistas: veem a LGLA como retrocesso. Defendem barreiras
normativas rigorosas à ocupação e exploração ambiental. Têm voz forte
no Ministério do Meio Ambiente, Ministério Público e ONGs.
• Conservacionistas: admitem modernizações procedimentais, mas exigem
a preservação dos pilares técnicos e jurídicos do licenciamento: EIA/RIMA,
consulta pública, condicionantes, e fiscalização.
• Desenvolvimentistas: priorizam a fluidez institucional para permitir maior
velocidade na implementação de projetos econômicos. Alegam que o
Brasil perde investimentos por morosidade e insegurança jurídica.
Na minha visão e pela minha vivência, é possível uma LGLA tecnicamente sólida e
politicamente viável, desde que a lei preserve o equilíbrio entre celeridade e controle.
A estruturação das categorias de licenciamento é, por si, um avanço. No entanto,
mecanismos como a Licença Ambiental Especial (LAE) comprometem esse equilíbrio ao
submeter critérios técnicos a decisões políticas arbitrárias.
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental pode representar um verdadeiro avanço
civilizatório, desde que seja compreendida não apenas como instrumento de
ordenamento racional do território, mas sobretudo como uma garantia de proteção
efetiva ao meio ambiente. Sua finalidade deve ir além da organização administrativa:
deve assegurar que qualquer uso do solo ou dos recursos naturais respeite os limites
ecológicos e os direitos das futuras gerações. Não pode ser convertida em escudo para
interesses setoriais, mas em alicerce de uma política ambiental transparente, técnica e
comprometida com a sustentabilidade
A desburocratização é um objetivo legítimo. Mas, como nos ensina a experiência
internacional, ela deve estar a serviço da efetividade ambiental e não da sua erosão. O
licenciamento deve ser diligente, responsivo e transparente.
Como advogado ambientalista, reconheço que, uma vez convertido em lei, o Projeto de
Lei nº 2.159/2021 poderá representar um avanço importante na modernização do
licenciamento ambiental no Brasil. O texto tem o potencial de resolver gargalos
históricos, como a morosidade procedimental, a insegurança jurídica e a sobreposição
de competências administrativas. No entanto, não há dúvida de que diversos de seus
dispositivos — especialmente aqueles que tratam de dispensas, autodeclarações e
restrições à atuação de órgãos colegiados — suscitarão legítimos questionamentos por
parte dos movimentos sociais, comunidades afetadas e entidades de defesa do meio
ambiente. Assim, é previsível que o Supremo Tribunal Federal seja chamado a exercer
seu papel de guardião da Constituição, dando a palavra final sobre a validade e os
limites da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental à luz dos princípios da precaução,
da vedação ao retrocesso e do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Referências:
Referências:
1. BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do
Meio
Ambiente.
Disponível
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: mai. 2025.
em:
2. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de
dezembro de 1997. Dispõe sobre o licenciamento ambiental. Disponível em:
https://www.in.gov.br. Acesso em: mai. 2025.
3. BRASIL. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Define as
competências administrativas em matéria ambiental. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp140.htm. Acesso em: mai. 2025.
4. MINAS GERAIS. Deliberação Normativa COPAM nº 217, de 6 de dezembro de 2017.
Estabelece critérios para o licenciamento ambiental no Estado de Minas Gerais.
Disponível em: https://www.meioambiente.mg.gov.br. Acesso em: mai. 2025.
5. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 2.159/2021. Institui a Lei Geral do
Licenciamento
Ambiental.
Disponível
em:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147052. Acesso
em: mai. 2025.
6. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 3.729/2004, de autoria de Luciano Zica
(PT/SP). Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/257161.
Acesso em: mai. 2025.
7. AGÊNCIA SENADO. “Comissões do Senado aprovam flexibilização do licenciamento
ambiental”. Publicado em 20 de maio de 2025. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias. Acesso em: mai. 2025.
8. FOLHA DE S.PAULO. “Alcolumbre quer novo tipo de licença com menor controle
para projetos como o da Foz do Amazonas”. Publicado em 17 de maio de 2025.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente. Acesso em: mai. 2025.

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